Rir de sí mesmo é ato civilizatório ,
porque o humor é essencial para as eleições e para a vida.
Eliane Brum
porque o humor é essencial para as eleições e para a vida.
Eliane Brum
ELIANE BRUM
Não ser capaz de rir de si mesmo é ser capaz de muitas coisas. A maioria delas bem ruins. Quem se considera imune ao ridículo, se coloca acima de todos os outros. Acredita que tudo o que faz é tão sério, é tão certo, é tão importante que, ao estar tão abarrotado de razão, não sobra espaço nem para dúvidas nem para piadas. Todos nós somos patéticos em alguma medida – e esta consciência é parte do que nos torna humanos. Quem não consegue rir de si mesmo, quando tropeça no tapete – sim, porque todos nós enrolamos os pés uma ou muitas vezes em diferentes tapetes ao longo da vida – manda demitir algum suposto responsável pela queda que acredita não lhe pertencer. Ou matar, conforme o nível de tirania do lugar onde vive.
Quem não consegue rir de si mesmo acredita que suas crenças – sejam elas ideológicas, morais ou religiosas – são mais certas que as de todos os outros. E se são mais certas devem ser impostas sobre as de todos os outros. O raciocínio seguinte é que, se as suas crenças têm mais valor, logo ele, a pessoa ou grupo que detém estas crenças, é melhor que todos os outros. E se é melhor que todos os outros a sua vida vale mais do que a de todos os outros. Logo todas as outras vidas valem menos e são sacrificáveis.
Ser capaz de rir de si mesmo é um upgrade civilizatório. Você consegue imaginar Bin Laden achando graça de alguma bobagem que fez, de algum escorregão na caverna? Você é capaz de conceber Adolf Hitler se olhando no espelho e achando seu bigodinho um pouco ridículo ou pensando que afinal suas pinturas não eram mesmo tão boas assim? Você consegue imaginar algum destes facínoras que infelizmente progridem no mundo em todas as épocas se perdoando pelo seu ridículo? Não, claro que não. Mas é fácil imaginar o que fariam com quem risse deles.
E nós? Somos capazes de rir de nós mesmos, seja na vida privada ou na pública? Não custa lembrar que o Brasil tem grandes dificuldades quando é alvo do humor alheio. Quando a família Simpson desembarcou no Rio de Janeiro no episódio “O Feitiço de Lisa”, houve uma avalanche de protestos. Na animação, o personagem Bart era atacado por pivetes e Homer sequestrado por um taxista. Em seguida, levado até a Amazônia, que ficava bem ao lado. Ao tirar o saco da cabeça de Homer, um dos bandidos diz: “Aproveita pra olhar porque estamos queimando ela toda”. Há cobras e macacos no Rio, sem contar que apresentadoras de TV balançam os peitos num programa infantil chamado “Telemelões”. Na época, a Riotur ameaçou processar a Fox, produtora do seriado de animação, e por causa disso virou piada na imprensa mundial.
Mais recentemente, o ator e comediante americano Robin Williams causou polêmica ao fazer uma piada no programa de David Letterman com a escolha do Rio de Janeiro para sediar os jogos olímpicos de 2016. Depois de dizer que Chicago, sua cidade natal, entrou em “desigualdade de condições” na disputa, brincou: “Espero que ela (Oprah Winfrey) não esteja chateada de perder as Olimpíadas. Chicago enviou Oprah e Michelle (Obama). O Brasil mandou 50 strippers e meio quilo de pó. Não foi justo”. Há quem nunca mais tenha visto os filmes de Robin Williams depois de tal ofensa à imagem nacional.
ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
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