domingo, 1 de janeiro de 2012

RIR SE SÍ MESMO

Rir de sí mesmo é ato civilizatório ,
porque o humor é essencial para as eleições e para a vida.
Eliane Brum

 Reprodução

 ELIANE BRUM

Não ser capaz de  rir de si mesmo é ser capaz de muitas coisas. A maioria delas bem ruins.  Quem se considera imune ao ridículo, se coloca acima de todos os  outros. Acredita que tudo o que faz é tão sério, é tão certo, é tão  importante que, ao estar tão abarrotado de razão, não sobra espaço nem  para dúvidas nem para piadas. Todos nós somos patéticos em alguma medida  – e esta consciência é parte do que nos torna humanos. Quem não  consegue rir de si mesmo, quando tropeça no tapete – sim, porque todos  nós enrolamos os pés uma ou muitas vezes em diferentes tapetes ao longo  da vida – manda demitir algum suposto responsável pela queda que  acredita não lhe pertencer. Ou matar, conforme o nível de tirania do  lugar onde vive.

Quem não consegue rir de si  mesmo acredita que suas crenças – sejam elas ideológicas, morais ou  religiosas – são mais certas que as de todos os outros. E se são mais  certas devem ser impostas sobre as de todos os outros. O raciocínio  seguinte é que, se as suas crenças têm mais valor, logo ele, a pessoa ou  grupo que detém estas crenças, é melhor que todos os outros. E se é  melhor que todos os outros a sua vida vale mais do que a de todos os  outros. Logo todas as outras vidas valem menos e são sacrificáveis.

Ser capaz de rir de si mesmo é um upgrade civilizatório. Você  consegue imaginar Bin Laden achando graça de alguma bobagem que fez, de  algum escorregão na caverna? Você é capaz de conceber Adolf Hitler se  olhando no espelho e achando seu bigodinho um pouco ridículo ou pensando  que afinal suas pinturas não eram mesmo tão boas assim? Você consegue  imaginar algum destes facínoras que infelizmente progridem no mundo em  todas as épocas se perdoando pelo seu ridículo? Não, claro que não. Mas é  fácil imaginar o que fariam com quem risse deles.

E nós? Somos capazes de rir de nós mesmos, seja na vida privada ou na  pública? Não custa lembrar que o Brasil tem grandes dificuldades quando  é alvo do humor alheio. Quando a família Simpson desembarcou no Rio de  Janeiro no episódio “O Feitiço de Lisa”, houve uma avalanche de  protestos. Na animação, o personagem Bart era atacado por pivetes e  Homer sequestrado por um taxista. Em seguida, levado até a Amazônia, que  ficava bem ao lado. Ao tirar o saco da cabeça de Homer, um dos bandidos  diz: “Aproveita pra olhar porque estamos queimando ela toda”. Há cobras  e macacos no Rio, sem contar que apresentadoras de TV balançam os  peitos num programa infantil chamado “Telemelões”. Na época, a Riotur  ameaçou processar a Fox, produtora do seriado de animação, e por causa  disso virou piada na imprensa mundial.

Mais  recentemente, o ator e comediante americano Robin Williams causou  polêmica ao fazer uma piada no programa de David Letterman com a escolha  do Rio de Janeiro para sediar os jogos olímpicos de 2016. Depois de  dizer que Chicago, sua cidade natal, entrou em “desigualdade de  condições” na disputa, brincou: “Espero que ela (Oprah Winfrey) não  esteja chateada de perder as Olimpíadas. Chicago enviou Oprah e Michelle  (Obama). O Brasil mandou 50 strippers e meio quilo de pó. Não foi  justo”. Há quem nunca mais tenha visto os filmes de Robin Williams  depois de tal ofensa à imagem nacional.


 ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).


Nenhum comentário:

Postar um comentário